Wilson de Oliveira Neto: O FASCISMO E A ESTETIZAÇÃO DA POLÍTICA

A HISTORICIDADE DAS COISAS SANTA CATARINA

A principal característica das práticas e das representações é esse caráter performático de suas ações políticas, impregnado por uma estética dos uniformes, das saudações, das marchas e das falas ensaiadas

Por Wilson de Oliveira Neto, historiador

O fascismo, como fenômeno político, tem uma marca registrada. Algo que é somente seu e de mais ninguém. O filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940), em um ensaio publicado na década de 1930, reconheceu essa marca registrada, denominando-a “estetização da política”.

E, até hoje, a principal característica das práticas e das representações fascistas, em qualquer lugar do mundo em que existam movimentos cripto ou abertamente fascistas, é esse caráter performático de suas ações políticas, impregnado por uma estética dos uniformes, das saudações, das marchas e das falas ensaiadas, em um tipo de jogral político cheio de simbolismo, mais ou menos aquilo que os nazistas, lá na Alemanha das décadas de 1920, 30 e 40, chamavam de Appell.

Performáticos

Função – Mas o que é estetização da política? Em seu texto “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, Walter Benjamin constatou uma revolução decorrente do desenvolvimento de novas tecnologias ligadas à produção e circulação de imagens visuais, com destaque para a litografia e, principalmente, a fotografia. Um dos reflexos observados e interpretados por Benjamin foi um deslocamento da função social da arte, até então voltada ao ritual. A partir do contexto examinado pelo filósofo, a função social da arte voltou-se para a política.

Segundo Benjamin, a introdução de novas tecnologias de comunicação e imagem no meio político, em particular, o rádio e o cinema, demandaram para o político profissional a aquisição e o desenvolvimento de novas qualidades para sua exposição pública decorrentes dessas novas tecnologias, em que a forma passou a valer mais que o conteúdo. Nessas circunstâncias, a ação política passou a ser planejada e executada a partir de critérios estéticos e performáticos.

Manipular as massas

Vozes – Para Walter Benjamin, a estetização da política é um meio do fascismo para manipular as massas, que a partir do século XX, ganharam visibilidade e a atenção do capitalismo e das elites sociais. Na óptica benjaminiana, a estetização da política dá a sensação de força e unidade, além de ser uma forma de expressão das demandas das massas.

Porém, Benjamin revela que, ao mesmo tempo em que esse processo dá voz às massas, ele promove a manutenção da estrutura socioeconômica contra o qual essas vozes se dirigem, dando às pessoas uma sensação falsa de participação política. É a tal da “mesmerização” sobre a qual se referiram tantos e tantos textos de interpretação do fascismo histórico.

E, nessa marca registrada do fascismo, destaca-se o culto à morte, ou, aos mártires dos movimentos fascistas. Culto e mártir são palavras ligadas ao Sagrado, aquilo que, no senso comum, é chamado genericamente de “religião”. Como no comício do Movimento Social Italiano (MSI) realizado em Roma, uníssono, seus participantes fizeram uma chamada simbólica dos seus camaradas mortos em 1978, como na Alemanha nazista, onde ao chamar “Horst Wessel”, o público respondia “presente”!

O culto à morte ou aos mártires reforça a unidade entre os fascistas, através da ligação entre passado e presente, além da atualização de um valor essencial nos fascismos de ontem e de hoje que é o sacrifício.

Ultraliberalismo

Leviatã – Como fenômeno político, o fascismo de hoje oferece uma resposta sedutora para a terra arrasada gerada pelo esvaziamento das metanarrativas e pelo Leviatã do ultraliberalismo do século XXI com sua naturalização da crise, das mudanças como um fim em si e, principalmente, da manutenção de relações econômica e sociais assimétricas sob o rótulo de meritocracia e a inevitabilidade.

Benjamin concluiu seu ensaio afirmando que a estetização da política era uma prática do fascismo que deveria ser respondida pelo comunismo com a politização da arte. Inspirado nessa ideia, entendo que seja necessário “repolitizar” o mundo ao nosso redor, desde a estetização da política promovida pelo MSI, em Roma, até as naturalizações do ultraliberalismo no século XXI.


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