Com um cigarro em uma das mãos e o copo na outra, para minha surpresa, o sujeito dá uma boa tragada, deixa o copo de cerveja no balcão e me estende a mão afirmando: “Esperando a morte chegar”
Por Mauro Cesar Telesphoros Stiegler, psicólogo clínico
Perguntas do tipo “Como vai?” costuma, não dar tempo para se esboçar uma resposta, e o sujeito já está falando sobre outra coisa que sequer tem nexo com a indagação inicial. Qual é a ideia? Simples. Este protocolo está ficando caricato, como uma série de gestos, comportamentos, manias, cacoetes que herdamos sem atinar para o seu significado ou por sua abrangência caso tentássemos ir mais fundo nesta superficialidade em que tudo se está transformando, ou melhor, a que nós mesmos estamos reduzindo e claro, por supuesto, como dizem ali em Buenos Aires, nos reduzindo juntos.
Raul Seixas tem uma música que fez sucesso em 1973, chamada “Ouro de Tolo”, que é muito elucidativa. Na canção o protagonista tem a consciência de se contentar com o que possui num mundo em que ele não entende. Quer dizer, ter-se a noção de que se está doente é o primeiro passo para a cura. Só esta consciência não basta, diria o Sartre, é preciso agir.
Caí na armadilha
Tragada – Dia destes caí na armadilha. Deixo o carro no posto para lavar e vou ao bar tomar um café (também estou ficando mentiroso, alô Tim Maia!) enquanto espero. Quando entro dou de cara com um conhecido e pergunto logo: “Como vai?”.
Logo depois (antes mesmo de terminar a frase) me arrependo, penso, se ele me disser “como está indo?” quem está “ferrado” sou eu. Com um cigarro em uma das mãos e o copo na outra, para minha surpresa, o sujeito dá uma boa tragada, deixa o copo de cerveja no balcão e me estende a mão afirmando: “Esperando a morte chegar”.
Outra coisa
Vai chegar – Não resisto e tasco logo:
– Tá brincando!
Ele me olha sério e contrapõe.
– Por que, você não está esperando a morte?
– Estás é louco, digo. – Entre a morte e outra coisa, prefiro outra coisa.
– Vai dizer que você acha que não vai morrer?
Antes de responder ainda tiro um sarro.
– Esta outra coisa pode ser a Mariana Ximenes por exemplo (só uma ideia). Tudo menos essa aí a que você se referiu.
Rimos.
– Mas que ela vai chegar, vai, insiste.
– Tudo bem, digo. – Mas não precisa ser agora e enquanto ela não chega, podemos fazer alguma coisa ainda.
Silencioso
Poetinha – De repente tudo ficou silencioso. O cara, comendo o pastel, parou o ato, o outro segurando o copo no ar, o cidadão na minha frente dá outra tragada, o proprietário está impaciente atrás do caixa, todos esperando que alguma coisa fosse feita, afinal tinha-se a impressão de que a morte estava ali rondando esperando o primeiro abrir a boca para levá-lo.
– Como se diz aqui na minha terra, começo, referindo-me a morte. – Posso até ir, mas vou esperneando.
Eles riram.
– Absolutamente contra a vontade, concluo, emendando. – A vida é esta, pode ser um inferno, como diria o poetinha, mas ninguém me provou que exista outra, portando temos que vivê-la da melhor forma possível, de preferência, fazendo o que se gosta.
Cerveja e café
Parede – Depois disso o ambiente se descontraiu. No entanto, observando mais atentamente aquele meu conhecido, um habitué do local, destes que chegam sempre no mesmo horário, pedem a mesma coisa e sentam-se à mesma mesa, invariavelmente conversam sobre as mesmos assuntos, enfim, repetem o que os garçons chamam “o de sempre”, percebi aquele olhar perdido em um ponto indefinido na parede, como se estivesse esperando algo que não soubesse precisar bem o quê.
Expectativa quebrada quando estaciona um carro em frente da porta do bar, ele toma o resto da cerveja num gole, se despede e sai. Alguém brinca, “é a rádio patroa chegando”. Vejo a mulher do sujeito dentro do veículo, tamborilando os dedos sobre o volante, denotando impaciência, o que parecia normal para todo o mundo, menos para mim.
É! Penso – para muita gente a morte deve ser mesmo um consolo – e digo para o garçom: suspende o café e me traga outra coisa!
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