A MOSCA ESTÁ SENDO FIEL AO SEU DESTINO EFÊMERO DE VIVER APENAS ALGUMAS HORAS
Por Mauro Cesar Telesphoros Stiegler, psicólogo clínico
“Quão tempo é preciso para mudar todas as coisas” (Victor Hugo)
O domingo amanhece respirando uma das estações para mim das mais belas: outono! (isso por que esse inverno não está lá aquele frio).
Digo “uma das” porque eu gosto mesmo é do inverno “raiz”, porque é no inverno que acordo ainda mais cedo, me movimento, me torno mais criativo e entusiasmado, portanto hoje, que já o outono pelo menos faz presença, começa uma alegria nova para mim.
Tomo meu café ritualístico, nada especial substancialmente falando, mas os ovos fritos, o pão e o café coado me fazem experimentar uma certa realeza, já que essa iguaria é escolhida interinamente por mim; um desejo sentido e que eu mesmo atendo nos detalhes. Perfeito: um rei sem súditos! Uma utopia talvez num País que ainda sabe pouco sobre subserviência.
Clássicos
Na sala está tocando Tchaikovsky, compositor russo, brilhante, e próximo a mim a obra “Os Irmãos Karamazov”, de Dostoiévski, autor também russo, no qual estou mergulhado na leitura pela segunda vez, porque, oras bolas, clássicos sempre se renovam mesmo na instante – e pedem sempre uma releitura, com nossos olhos, novas emoções.
Mas o que realmente está me prendendo a atenção nesse momento é minha gatinha “Téia”, a mais novinha; ela está empenhada em pegar pequenas moscas por aqui, concentrada no seu projeto, não se descuida um segundo sequer. E a mosca? A mosca está sendo fiel ao seu destino efêmero de viver apenas algumas horas, isso se a Teia for infeliz na caçada, do contrário lá se vai uma jovem mosca por consequência de uma morte trágica – e, por que não dizer, boba? Como se tivesse morte que não fosse boba.
Sem pedir licença
Na clássica película alemã “Cerejeiras em Flor”, da diretora Doris Dorrie, vê-se ao longo do filme pequenas cenas de uma mosca, propositalmente é claro, para chamar a atenção sobre a brevidade da vida, da chegada do por do sol que se põe mesmo, sem piedade e muda a paisagem num piscar de olhos. Fiquei pensando como o sol “caminha”, no seu ritmo, na sua direção, se põem e nasce, sem pedir licença e nem dar explicações a absolutamente a ninguém (mas isso é para outra coluna).
Ao lado da obra “Irmãos Karamazov” vejo também o livro “O Ser e o Nada”, de Sartre, que em linhas gerais (em outras obras dele também) é uma proposta de vida baseada em projetos, em ações ou se quiser entender, em um sentido, do contrário a consciência da efemeridade seria algo insustentável de se conviver, pois seríamos, no pensamento de Sartre, apenas pedações de carnes ambulantes a vagar, sem sentido, nadas em um nada…
Angústia
Assim, como bom Sartriano que sou, começa minha angústia de domingo: o que estou fazendo dos meus minutos e dos meus anos; até quando uma Téia da vida vai passar despercebida por mim e me deixar no meu nada, voando de cá pra lá, ou se dará conta da minha presença e insignificância e me abocanhará sem compaixão?
Sinto sede e fome de conhecer, de fazer, de projetar. A balada russa toca mais alto e minha angústia (positiva) aumenta; quero mais e melhor, tudo o que eu possa fazer por mim e pelo outro!
Bah! Novamente me invadiu a consciência de que em todo instante estou escolhendo, que posso escolher; senti que sou um constante vir a ser; novo insight: enquanto houver vida, posso ser o que eu quiser… Simples? Decerta forma sim, mas frente a meu comodismo, minhas covardias em não agarrar a vida que me faz sentido, torna-se algo avassalador perceber que tudo isso está em minhas mãos…
Cinza, nublado
Já encontrei o sentido do meu domingo! Antes mais uma xícara do meu majestoso café (sul de minas, 100% arábica, tradicional, porque também tenho pequenos lances de conservadorismo); olho a paisagem da minha cidade e realmente está cinza, nublado; a alegria me invade e já posso começar a criar, sonhar e sobre tudo realizar….
Obs: A Téia acabou de comer uma mosca, foi rápido, num piscar de olhos.
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