GUILLERME SLOMINSKY (“FRAGUIMENTOS”): NAVEGAR É PRECISO

"FRAGUIMENTOS" SÃO BENTO DO SUL

fernandinho publicou somente uma obra em vida, chamada “mensagem”

Por Guillerme Slominsky

fernandinho publicou somente uma obra em vida, chamada “mensagem”, e alguns textos soltos em inglês, mas foram as obras que nunca pensou em publicar que lhe geraram mais entusiasmo póstumo por conta de sua sensibilidade e lucidez. trago aqui um deles.

“navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: ‘1navegar é preciso; viver não é preciso’. quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para casar com o que eu sou: viver não é necessário; o que é necessário é criar. não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo.

só quero torná-la de toda humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha. cada vez mais assim penso. cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade. é a forma que em mim tomou o misticismo da nossa raça.”

(“palavras de pórtico”, nota publicada pela primeira vez em fernando pessoa; obra poética de 1965)

“tabacaria”
sonho – pode-se então questionar: “de que porra ele tava falando? engrandecer a nação? esse cara pensava que era quem?” ou aqueles mais educados, dirão: “quanta prepotência neste singelo autor que quase não publicou nada…”

sim, concordo com os dois, mas acontece que ele também concordava, em sua obra “tabacaria”, pessoa fala sobre como todos se concebem, em sonho, gênios como si e que a história não marcará, quem sabe, nenhum. mas marcou! olha só a gente aqui 100 anos depois lendo as palavras dele!

sublime
vida carnal – ele sabia que era sublime, então escrevia como se fosse para o mundo inteiro ler mesmo, daí esse texto. o cara tava afim de facilmente abrir mão de sua vida carnal (não só se tratando de sexo, mas dos prazeres mundanos: comer, beber, ficar rico, o que mais quiser) para o “engrandecimento da pátria”.

então ele meio que esqueceu de tudo que poderia lhe satisfazer pra viver uma vida levemente medíocre (não se pode esquecer que ele ficou com uma boa herança de família) trabalhando como guardador de livros e escrevendo.

movimento da rua
plano b – mas que vida do caralho! ele fumava copiosamente enquanto olhava o movimento da rua e escrevia suas genialidades. e talvez por isso tenha sido grandioso, de fato. ele não tinha plano b.

ao transformar a forma dessa frase ele não só se colocou à mercê da vida de escritor mas cedeu sua alma para que a poesia tomasse forma física, e assim foi.

frase original
curiosidade – nota: há uma curiosidade sobre a frase original, que na realidade não trata de navegar ser “necessário”, mas sim “preciso” no sentido de precisão, mesmo! Então, apesar de nandinho ter interpretado desta forma, o sentido original é: “a vida não é precisa, navegar exige precisão”.

até a próxima

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