WILSON DE OLIVEIRA NETO (A HISTORICIDADE DAS COISAS): NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE A HISTÓRIA ALEMÃ

A HISTORICIDADE DAS COISAS SÃO BENTO DO SUL

Como toda estrutura imperial, a experiência colonialista alemã no continente africano gerou uma grande massa documental

Por Wilson de Oliveira Neto,
historiador

“Alemanha recruta IA para pesquisar seu passado colonialista” é o título de uma matéria publicada na terça-feira (13) na página em língua portuguesa da “Deutsche Welle”. Escrita pela jornalista Elizabeth Greiner, a reportagem abordou o uso de ferramentas de Inteligência Artificial na pesquisa em fontes primárias do século XIX acerca do Colonialismo alemão na África.

Proclamado em 1871, após a vitória da Prússia sobre a França, em um conflito militar conhecido como Guerra Franco-Prussiana (1870/71), o Império Alemão ingressou na corrida colonialista no continente africano junto com outras potências europeias de seu tempo, como, por exemplo, a Bélgica, a França e o Reino Unido. O Império Colonial Alemão existiu entre 1884 e 1919, cujos territórios localizados na África correspondem hoje aos Camarões, à Namíbia, ao Togo e parte do Quênia e da Tanzânia.

Colonialismos
“Gótico” –
O Império Colonial Alemão existiu por 35 anos, pouco tempo se for comparado com os colonialismos britânico, francês ou mesmo português na África. Porém, como toda estrutura imperial, a experiência colonialista alemã nesse continente gerou uma grande massa documental que desperta cada vez mais o interesse dos pesquisadores sobre um aspecto ainda obscuro da história alemã. Porém, uma boa parte desse material foi manuscrito por meio de um tipo de letra cursiva conhecido aqui no sul do Brasil, nas regiões de colonização alemã, como “alemão gótico”.

Segundo a reportagem publicada na DW, o nome dessa forma de escrita é “Kurrent”, e foi desenvolvida durante o Medievo. Com o tempo, ela sofreu variações, sendo ensinada nas escolas alemãs até meados do século passado. Meu ex-professor de alemão, o saudoso professor Alfons, alemão “raiz” radicado em Joinville, disse-me, certa vez, que essa escrita foi comum na Alemanha até a década de 1960. Decifrá-la exige o domínio da língua alemã e um olho deveras treinado e acostumado com o Kurrent, que pode ser manuscrito ou tipográfico. Dependendo de quem escreveu, somente com IA e uma vela para Santo Expedito (risos).

Iniciativa inovadora
10 mil manuscritos –
Segundo a reportagem da DW, o uso de ferramentas de IA foi uma iniciativa do Arquivo Federal Alemão, que possui em seu acervo mais de 10 mil manuscritos produzidos pelas autoridades coloniais alemãs na África oitocentista. Trata-se de uma iniciativa para lá de inovadora para o campo da História.

Porém, ela também faz parte de uma virada colonialista na história da Alemanha. Explico: nos últimos anos, o Império Colonial Alemão desperta cada vez mais a atenção dos historiadores, especialmente, pelo seu aspecto obscuro. O racismo e a violência da “colonização” alemã na África serviram de pano de fundo para o genocídio dos hereros e dos namas, entre 1904 e 1907, na Namíbia.

Para uma nova historiografia alemã, tratou-se de uma experiência genocida que antecedeu o Holocausto, nas décadas de 1930 e 1940. Aí o bicho pega, na medida em que, durante muito tempo, o extermínio dos judeus europeus foi a experiência traumática hegemônica na memória e história alemãs recentes.

Teorias sociais
Reflexos –
A virada colonialista na história alemã, se é possível falar em uma “virada”, também vai ao encontro de um contexto marcado pela decolonialidade da memória, da história e das teorias sociais. Os reflexos de longo prazo do Colonialismo europeu estão na ordem do dia, sendo sua investigação histórica imprescindível. Daí o mérito da iniciativa do Arquivo Federal Alemão no uso de IA no tratamento do seu acervo sobre o passado colonial da Alemanha.

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