O riso, quando bem usado, pode ser uma poderosa arma contra o retrocesso
Por Diego Andrade, professor

Luis Fernando Verissimo (1936-2025) é uma das figuras mais significativas da cultura brasileira quando se fala em pensamento progressista aliado à inteligência literária. Com uma carreira sólida construída sobretudo nas crônicas, mas também em romances, contos e colunas jornalísticas, Verissimo exerceu um papel central na formação de um olhar crítico, bem-humorado e democrático sobre o Brasil.
Seu legado para o progressismo não está apenas no conteúdo de suas ideias, mas também na forma como as expressou: com leveza, elegância e ironia, ele ensinou que é possível ser profundo sem ser pesado, incisivo sem ser agressivo, político sem ser panfletário.
Ditadura Militar
Humor refinado – Durante a Ditadura Militar, período marcado pela repressão à liberdade de expressão e pelo endurecimento da censura, Verissimo encontrou na crônica — gênero tipicamente brasileiro — uma forma eficaz de resistência. Com humor refinado e crítica sutil, seus textos revelavam os absurdos do autoritarismo, das estruturas de poder e da moral conservadora.
Ao ridicularizar o autoritarismo, não apenas político mas também social e familiar, ele fazia o leitor rir e, ao mesmo tempo, pensar. Era um tipo de humor que libertava, ao mesmo tempo em que desarmava os mecanismos da opressão simbólica que estruturam parte da vida brasileira.
Voz presente
Debate público – Com o retorno da democracia, ele continuou sendo uma voz presente e necessária no debate público. Ao contrário de muitos intelectuais e formadores de opinião que se afastam da política por conveniência ou desilusão, Verissimo nunca deixou de participar, ainda que à sua maneira — sempre mais próxima da ironia do que do discurso direto.
Em suas colunas, sempre defendeu valores como a igualdade, a justiça social, os direitos das minorias, a liberdade de imprensa e o papel do Estado como garantidor de dignidade. Mesmo quando criticava a esquerda, fazia isso de um lugar ético e comprometido, sem aderir ao moralismo fácil ou ao ressentimento conservador.
Cotidiano brasileiro
Dia a dia – Luis Fernando Verissimo foi — e continua sendo — um cronista do cotidiano brasileiro, mas seu olhar sobre o dia a dia nunca foi neutro. Seu humor tinha lado: era contra o preconceito, contra a ignorância, contra o autoritarismo e contra a injustiça.
Suas crônicas frequentemente desmontavam com ironia os discursos vazios das elites, o racismo velado das classes médias, o machismo estrutural das relações sociais, o moralismo hipócrita de setores religiosos e a retórica do medo utilizada por políticos conservadores. Mas fazia tudo isso com um texto fluido, sem arrogância, que acolhia o leitor em vez de afastá-lo.
Extrema Direita
Postura clara – Nos últimos anos, diante do crescimento da Extrema Direita e da radicalização do debate público no Brasil, Verissimo manteve uma postura clara e corajosa em defesa da democracia, da cultura e do bom senso. Ao contrário de tantos que preferiram o silêncio, ele continuou escrevendo — com menos frequência, é verdade —, mas sem jamais abandonar os princípios que nortearam sua trajetória.
Suas palavras, mesmo quando suaves, continuavam firmes em denunciar o autoritarismo, o populismo reacionário e o desprezo pela inteligência que marcam o cenário político recente.
Ficção
Personagens inesquecíveis – Além de cronista político, Verissimo foi também um grande escritor de ficção e humor, autor de personagens inesquecíveis como “O Analista de Bagé”, “Ed Mort” e as figuras que povoam “Comédias da Vida Privada”.
Através deles, satirizou o conservadorismo comportamental, o moralismo sexual, a masculinidade tóxica e a hipocrisia cotidiana de um Brasil que insiste em manter estruturas arcaicas. Sua literatura não apenas divertia, mas também servia como espelho crítico do país.
Ético e estético
Liberdade – O progressismo de Luis Fernando Verissimo é, portanto, múltiplo: é político, cultural, ético e estético. Ele representa uma forma de pensamento que se opõe à truculência, ao dogmatismo e à intolerância — seja ela ideológica, religiosa ou de classe.
É um progressismo que valoriza a liberdade, mas também a responsabilidade; que defende a justiça social, mas sem perder a delicadeza; que acredita na transformação social, mas sem abrir mão do humor e da arte como caminhos de resistência.
Polarização rasa
Legado – Seu legado, hoje, é especialmente valioso em um momento em que o debate público sofre com a polarização rasa, o ódio como ferramenta política e o empobrecimento do discurso. Verissimo nos lembra que é possível pensar o Brasil com leveza, sem perder a seriedade.
Que é possível criticar com afeto. E que o riso, quando bem usado, pode ser uma poderosa arma contra o retrocesso. Mais do que um escritor consagrado, ele é — e continuará sendo — um farol ético para o progressismo brasileiro.
Foto Lindomar Cruz/Agência Brasil
WhatsApp – O grupo de WhatsApp do Jornal Edição Digital pode ser acessado aqui.