A canção foi lançada em 1988 por um dos maiores nomes da mpb
Por Guillerme Slominsky

“alguém se atreve a ir comigo além do shopping center? hein? dónde están los estudiantes? os rapazes latino-americanos? os aventureiros?os anarquistas? os artistas? os sem destino, os rebeldes experimentadores? os benditos, malditos? os renegados? os sonhadores? esperávamos os alquimistas e lá vem chegando os bárbaros os arrivistas, os consumistas, os mercadores, minas, homens não há mais? e entre o céu e a terra, não há mais nada do que sex, drugs and rock ‘n’ roll?”.
1988
mpb – esse é um trecho de “arte final”, canção lançada em 1988 por antônio carlos gomes fontenelle fernandes, ou belchior, um dos maiores nomes da mpb. digo isso não só porque seu nome era uma redação, mas também porque foi ele quem compôs “como nossos pais”, interpretada por elis regina e que figurou entre as 100 maiores músicas brasileiras pela rolling stone brasil em 2009.
por essas e outras o mano foi considerado uma das maiores vozes brasileiras, pela mesma revista, anos mais tarde. ele escreveu os maiores hits e suaves tapas de costas de mão, mas foi em “arte final” que belzinho brilhou falando sobre herança.
nostalgia
cinco da tarde – “alô, presente, estou chegando. alô, futuro, já vou!”. aqui se percebe uma brincadeira com a noção de tempo, se vive no presente que escapa pelos dedos, constantemente virando passado, enquanto isso o futuro olha pra gente com cara de sonso sabendo que nunca vai ser realmente nosso. enquanto sua tia vive de nostalgia, você vive de quê?
da promessa de um tempo que nem sequer existe ainda, contando os minutos para dar cinco da tarde e você correr para o happy hour, sexta à noite, sábado, domingo antes das sete, e depois viver todos os dias da semana esperando pela próxima a oportunidade de meter os pés de onde está. essa é a ironia, nunca saímos do lugar, apesar de fugirmos o tempo todo. do que você foge?
revolta e rebeldia
figuras clássicas – “dónde están los estudiantes? os rapazes latino-americanos? os aventureiros?”. aqui são trazidas figuras clássicas de revolta e rebeldia, só para contrapô-los com quem domina a contemporaneidade. ele sabia que precisaríamos de artistas, rebeldes e anarquistas para que a sociedade continuasse rumando na direção certa. ao invés disso, viemos parar no conformismo.
você levanta cedo, escova os dentes, lava entre os dedos dos pés, toma cafézinho, dá atenção pra sua mãe, carinho pro seu amor, lanche pro seu filho, você leva o cachorro passear e recolhe o cocô com sacolinha de plástico biodegradável, e mesmo assim no final do dia nunca tem o que quer, porque o que você quer não existe.
projeto de vida?
rótulo – a felicidade como conceito já discutido em outra oportunidade é ilusória e inalcançável, e aqui estamos dia após dia esticando os braços, exaustos. além de projeto de vida, a felicidade virou um produto, em qualquer rótulo que você preste atenção suficiente vai encontrar alguma promessa de “vida melhor” ou “mais completa”, ou “aniquilação de dor” ou até mesmo “quem não usar é feio”, bem no estilo quinta série.
provocação
loucos e lunáticos – “arte final” deixa consigo a provocação: quem continua o legado dos músicos, poetas, pintores, loucos e lunáticos que acreditavam num futuro brilhante? não para de caminhar, continua vindo, vem, que ainda tem.
me desculpa qualquer coisa e até a próxima.
ouça
conheça – ouça a música “Arte Final” clicando aqui.
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