GUILLERME SLOMINSKY (“FRAGUIMENTOS”): A METAMORFOSE DE FRANZ KAFKA

"FRAGUIMENTOS" SÃO BENTO DO SUL

despertou de sonhos intranquilos e encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso

Por Guillerme Slominsky

imagine isso: você é um tipo de representante comercial que mora com seus pais, tem que acordar seis da matina pra se arrumar e ir enfrentar a labuta. nunca se atrasa nem pega atestado, trabalha finais de semana e feriados, que rotina do caralho… você odeia, mas consegue dar uma boa vida à sua mãezinha, irmã mais nova, talentosíssima violinista, e seu velho pai doente, então vai suportando.

“gregor samsa, certa manhã, despertou de sonhos intranquilos e
encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”.

casco grosso
trem das seis –
várias pernas finas, abdome abaulado, um casco grosso nas costas sobre o qual estava deitado, mas gregor não tava nem aí, ele precisava levantar e ir até o trabalho, estava quase perdendo o trem das seis. com a demora dele em sair do quarto a família começa a bater na porta, preocupada. até mesmo o gerente dele vai até na casa procurar pelo funcionário atrasado.

ele se esforça muitíssimo pra sair da cama mas ainda não se acostumou com aquele formato de corpo, que tornava difícil se virar. tenta falar com a família mas suas palavras não são compreendidas. quando vê a monstruosidade em que o cara se tornou, o gerente sai correndo. os pais não podem, estão presos na própria casa com aquela coisa.

interesseira!
pilares centrais –
daí que entra um dos pilares centrais dessa obra: o valor que nós damos às pessoas; se eu te perguntasse por que você ama seu parente, amigo, namorado, colega, enfim, qual seria sua resposta? “ah, porque ele tem muita coisa…”. interesseira! tá com o mano por causa da casa própria e do jeep renegade? “não! é na verdade pelo que ele faz…”, então se um amigo perder o emprego ou sofrer de uma doença muito grave que impeça de fazer qualquer coisa sozinho a amizade acaba? “Aff, quero dizer que é pelo que ele é!”. ah, agora sim…

centralidade da existência
uma coisa só
– segundo a análise do excelentíssimo professor rodrigo leão o trabalho hoje em dia reflete a centralidade da existência dos indivíduos, mais do que uma forma de nos manter vivos e saudáveis, o ofício e a profissão se tornaram tudo, como se o indivíduo e sua função para a sociedade fossem uma coisa só.

“mas e não é?”. pergunta interessante, caro leitor, o que difere trabalho de hobby? é que o primeiro é considerado útil e o segundo, caso não seja monetizado de nenhuma forma, não o é.

então uma vez que vivemos apoiados na ideia que precisamos ser úteis para sermos dignos de uma vida boa, a própria noção de felicidade vai sendo ofuscada. em “a felicidade é inútil”, o também professor clóvis de barros filho nos traz um conceito importante: “estudar no domingo, pra que mesmo? ir bem na prova, passar de ano, diploma, faculdade, estágio, emprego, salário, consumo? (…) para… vamos, para quê? para a felicidade, balbuciou o aluno mais tímido. (…) e para quê a felicidade?”, desafia o professor.

silêncio da galera
fim da linha
– silêncio da galera. de fato. a felicidade não é para nada. porque nada importa além dela. porque ela, por ela, não leva a nada. nem pretende. porque não é o caminho para nenhuma outra coisa. não é meio. nem instrumento. é o fim da linha. tudo que queríamos. desde o começo”.

as melhores coisas e pessoas da vida são completamente inúteis em essência, porque são para além do trabalho, existem na inutilidade. como você reagiria se algum parente, amigo, namorado ou colega seu simplesmente virasse um inseto nojento desses, da noite pro dia? esse é um dos principais pontos deste livro.

enquanto não achamos a resposta,
até a próxima

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