(Coluna) A SALVAÇÃO DA INSIGNIFICÂNCIA

DIMENSÕES DO CONTEMPORÂNEO SÃO BENTO DO SUL

EMBUTIDA NA IDEIA E MOVIMENTO PERFORMÁTICO, A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA É SURPREENDIDA COMO SENDO TAMBÉM A SOCIEDADE DO CANSAÇO

Por Mauro Cesar Telesphoros Stiegler, psicólogo clínico

“Um homem qualquer pode pescar com o verme que engoliu um rei, e depois comer o peixe que engoliu o verme” (Shakespeare, em “Hamlet”)

Explicitamente, umas das marcas psicológicas e comportamentais da contemporaneidade tem a ver com uma ideia ou obrigação de alta performance, que, por si só, conecta-se também ao movimento do sucesso.

A alta performance, seria, segundo treinadores da área, o meio para se alcançar o desejado sucesso, que pode mudar de indivíduo para indivíduo: sucesso na carreira, na aparência estética, no emagrecimento, no relacionamento, no tamanho da conta bancária, e assim sucessiva e infinitamente.

Embutida na ideia e movimento performático, a sociedade contemporânea é surpreendida como sendo também a sociedade do cansaço, a qual, por si só, ganha contornos psicopatológicos, ou seja, há uma possível mudança de estrutura psicológica/comportamental dos indivíduos embarcados em uma vida essencialmente performática.

VENDEDORES DE ILUSÕES – Essa mudança, assinalada pelo filosofo sul-coreano Byung-Chul Han no seu livro “Sociedade do Cansaço”, fala de uma psicopatologia construída através de uma violência neuronal, a qual constitui uma exigência sobre-humana, apontada por mídias e treinadores que afirmam que sucesso é sinônimo dessa tal alta performance.

Bom, falamos até aqui de um produto vendável, ou seja: cursos, worshops e imersões só existem porque há insatisfeitos e buscadores; nessa instância, não estamos mais falando de buscadores de alta performance, mas, de buscadores essencialmente do sucesso.

Absolutamente nada há de errado em buscar o sucesso. O problema, que para os vendedores de ilusões alcançarem lucro, a ideia de sucesso foi compactada em pilares integralmente monetários; carro de luxo, estética do momento, destino de viagem paradisíaco ou de luxo. Neste aspecto, sucesso significa irmão gêmeo do poder, quando não a mesma coisa; poder esse, que disponibiliza os pilares citados e com eles um gozo gozado por raros e seletivos indivíduos, o que torna a busca ainda mais frenética e obstinada.

INFLAÇÃO DO EGO – A experiência clínica psicoterapêutica demonstra que alcançar o sucesso, sem que esse sucesso esteja harmonizado com aquilo que o indivíduo se identifique de verdade, significa, antes de tudo, receita infalível de adoecimento psíquico.

Vende-se estrategicamente a ideia de que determinado grau de poder representa felicidade; instiga-se o desejo desenfreado por tornar-se notado e respeitado, invejado; prega-se a ilusão de que se pode ser uma espécie de super-humano, e com isso uma sensação de ser eterno. Com isso, sem se dar conta, tem-se uma inflação do ego, que já não mais se identifica com o saudável e pede por mais e mais, constituindo uma verdadeira violência neural para a estrutura do ser.

Dei essa volta para dizer que diante das psicopatologias contemporâneas, conscientizar-se da efemeridade e da insignificância individual, pode ser porta de saúde e libertação. Cresce o número de depressivos e insatisfeitos, com sensação de fracasso e inadequação às exigências contemporâneas do que representa ser pessoa de sucesso.

Não se trata de masoquismo, nem de autodepreciação; tão pouco se faz aqui apologia à miséria; menos ainda de baixa autoestima; trata-se de revisitar nossa dimensão puramente humana e vez que outra se entregar para essa realidade; usufruir hedonisticamente dos prazeres da vida sem autojulgamento e nem remorso; apenas ser insignificante e efêmero algumas horas por semana. Aprendi isso com meu professor/orientador e amigo Claudio Gastal, o qual me disse dessa importância do insignificante, e olha que o homem sabe o que diz, assino em baixo.

COISAS SINGULARES – Ainda nessa reflexão, revisitar-se com frequência e realmente se conhecer, faz com que naturalmente nos atiremos aos braços da própria alma, que sonha e se afina com tantas coisas singulares e próprias para cada um de nós. Dessa forma a busca já não será tortura para alinhar-se às puerilidades que nos enfiam goela abaixo como sendo receitas genéricas e gerais para todos.

Sentir o poder sobre si mesma será sempre o poder dos poderes; de resto, são poderes ilusórios e tão efêmeros quanto orvalho das manhãs de verão.

Humildade e clareza em torno de si; liberdade de escolha e a busca por aquilo que realmente faz sua alma vibrar, sem deixar se impressionar por “altezas” ou modelos esdrúxulos que nada correspondem com seus genuínos e saudáveis anseios.

REI GORDO E MENDIGO ESQUELÉTICO – Finalizo com uma reflexão sobre poder e insignificância que nos foi legada por Shakespeare, em seu monumental “Hamlet”.

“O verme é o único imperador da dieta: cevamos todas as outras criaturas para que nos engordem, e cevamos nós mesmos para as larvas. O rei gordo e o mendigo esquelético não são mais que variedade de cardápio: dois pratos para a mesma mesa. Esse é o fim”.

Então, pensando nas psicopatologias contemporâneas, um pouco de humanidade para si mesmo fará muito bem.

Salve a minha insignificância!

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