goga matsuda elaborou os conhecidíssimos “dez mandamentos do haicai”
Por Guillerme Slominsky

hoje eu acordei meio religioso, então que tal fazermos uma prece a alguns mandamentos? não falo daqueles famosos da mitologia cristã, mas sim das regrinhas nada chatas que regram, com suas réguas e tabuadas, como a poesia deve ser feita.
sim, tiveram mesmo diversos autores que, com suas obras, criaram um novo estilo de escrita, assim como o cara que mandou um “DEVARAR” na sinalização urbana aqui da cidade, esses manos estavam criando algo totalmente novo, mas fundamentados em recursos que já existiam. eles quem moldaram as regras seguindo aquela famosa fonte, “vozes da minha cabeça”, e perpetuaram assim suas belas e prepotentes visões de mundo. será que estavam todos certos?
inocentes trocadilhos
natureza e divindade – goga matsuda elaborou os conhecidíssimos “dez mandamentos do haicai”, explicando que esse estilo seria formado de dezessete sílabas distribuídas em três versos sem rima ou título, com um termo que remete a uma estação do ano ou à natureza (kigô).
o haicai nasceu como sátira, daí seu nome, que significa “cômico” teve no começo duas escolas que conversavam entre si: a escola TEIMON e a DANRIN, sendo que a primeira expressava-se usando inocentes trocadilhos coloquiais, respeitando a natureza e a divindade, enquanto a segunda escola nasceu como uma reação ao tradicionalismo, usando termos um tanto quanto vulgares e sendo duramente criticada por isso.
será que os velhos poetas não percebiam que o clássico também foi, em algum momento, o novo e transgressor? mesmo quando estavam desbravando o matagal da incerteza, com suas regrinhas e foices afiadas?
esterco de vaca
“bullshit” — é assim que o professor keating denomina a tal métrica de j. evans-pritchard no filme “a sociedade dos poetas mortos”, de 1989. ele encoraja os alunos a fugirem das entediantes regras convencionais (tanto de escrita como de disciplina) e voltarem-se ao que parece mais autêntico, para “aproveitarem o dia” e a poesia, afinal, isso atraía muito as garotas!
mas é justamente seguindo essa filosofia que um dos personagens consegue quase ser expulso do colégio e ficar a um fio de não ver mais as maravilhosas aulas do mesmo professor que lhe ensinou a arte da transgressão.
afinal, se regras foram feitas para serem quebradas, o que impede a quebra dessa própria regra? “calma, guillerme, você tá dando nós no meu cérebro!”, exatamente o meu objetivo nessa coluna. mas pense comigo: ao criar uma norma, deve-se ter em mente que ela vai, invariavelmente, ser quebrada. é aí que mora um dos maiores prazeres da vida, olhar para essas regrinhas chatas, pra aquelas plaquinhas miseráveis quem vêm escritas “não pise na grama”, entender o motivo pelo qual elas existem e dizer, em alto e bom som, de dentro da catedral das nossas cabeças: “isso pra mim vale tanto quanto esterco seco de vaca”.
foi o que fez paulo leminski, em seus haicais modernamente abrasileirados:
“ameixas
ame-as
ou deixe-as”
amem-as.
amém…
até a próxima.
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