Mauro Stiegler: “CALA-TE” ASSEMELHA-SE A “PERSONA”

DIMENSÕES DO CONTEMPORÂNEO SÃO BENTO DO SUL

A PULSAÇÃO VIBRANTE PRESENTE EM CADA PERSONAGEM ME FEZ SENTIR RAIVA, COMPAIXÃO, EMPATIA, ANGÚSTIA E INDIGNAÇÃO

Por Mauro Cesar Telesphoros Stiegler, psicólogo clínico

“Milhares de olhos, de ouvidos, de cérebros, de corações e de corpos, participam de tudo aquilo que eu faço (Ingmar Bergman)

Realismo e sensibilidade são aspectos que vibram uma oitava acima no filme “Cala-te”, de Fabio Cabral e Anderson Dresh, estreado no último dia 26 de agosto nas salas de cinema do Shopping Garten, em Joiville.

Agraciado com o convite do meu amigo, ator de cinema e diretor de teatro Robson Rodrigues (à direita deste colunista), de São Bento do Sul, fui deleitar-me na espetacular obra referida.

Não posso e não devo dar spoiler, pois, por se tratar de obra realista e sobretudo provocativa no que se refere ao comportamento humano e suas mais amplas nuances, meu desejo é de que cada vez mais pessoas vejam o filme. Adentrando de forma parcimoniosa no conteúdo, posso dizer que violência doméstica, repressão, medo e dependência emocional, são elementos que pulsam do início ao fim.

Um ente único – No universo dos livros e do cinema, acho particularmente injusto fazer comparações, pois a singularidade de cada escritor, roteirista, diretor e atores faz de cada obra um ente único. Porém, não consigo deixar de fazer pontes correlacionais com obras históricas quando relembro as cenas e o impacto de “Cala-te”.

Comparo-o positivamente à monumental obra cinematográfica “Persona”, do diretor sueco Ingmar Bergman, citado acima. Nesse filme, bem como em toda a sua filmografia, Bergman retrata e fala dos tormentos da alma humana: medo, angústia, solidão, etc… Pessimismo? Não! Realismo inconteste quando nos encorajamos a falar e retratar o universo das relações e da intimidade psíquica do ser humano.

Significativo tema – Dito isso, “Cala-te” assemelha-se a “Persona” de Bergman, tendo em vista a capacidade de transcender o comum nos personagens, fazendo-os permeáveis a subjetividade que cada papel evoca, e que, por conseguinte, subjetivam o universo de cada expectador… E o fantástico disso? “Cala-te” foi feito aqui, no sul do mundo!

A pulsação vibrante presente em cada personagem me fez sentir raiva, compaixão, empatia, angústia e indignação. Mas, principalmente, ampliou em mim o respeito em torno de tão significativo tema, urgente e sério no sentido de buscarmos soluções mais consistentes para o padecimento em torno da violência doméstica. Tive a grata oportunidade de conversar sobre isso com Fabio Cabral, um dos diretores do filme, logo após a exibição.

Genialidade – Destaco a atuação tridimensional do nosso ator Robson Rodrigues, que viveu Rômulo, que se desdobra no pai e o ator da peça que está sendo encenada no próprio filme! Vocês estão compreendendo isso? Estou falando de genialidade e de um poder de atuação raro no mundo do cinema.

E mais: esse ator está aqui, podemos tomar um café com ele, sentar e conversar sobre arte, teatro e cinema, sem nenhuma cerimônia, pois o “cara” é a simplicidade em pessoa: acessível e de um coração vibrante que só ele. Obs: quem não gosta de abraços e um carinhoso beijo no rosto, tome cuidado, ele não economiza…

Recebi esse presentão do Robson no último dia 23 de agosto. Chegando lá fomos recebidos, meu amigo Odair e eu, de uma forma tão calorosa, que sentir-se especial foi algo imediato. Humanismo, sensibilidade e profundidade foi o que o filme nos proporcionou do início ao fim nesse dia.

Reflexão – Foi fantástico falar com atores e diretores, no entanto, voltei para casa reflexivo: será que de fato estamos dando o devido valor para o cinema e as artes em geral? Um curta-metragem que tem o poder de conversar com o lugar psicológico que ocupo; com a responsabilidade ou não que estamos tendo diante do cosmos social no qual estamos, querendo ou não, inseridos, inertes ou atuantes…

Quem não viu, se dê esse presente: mergulhe e se coloque no universo de “Cala-te”; verá que o filme conversa com você: em algum contexto você se verá inserido, talvez omisso, como vítima, indiferente ou como defensor indignado.

“Cala-te” fala com nossos corpos, nossa mente, nossos olhos e ouvidos que ora se escancaram, ora se fecham para o real e desafiador do mundo contemporâneo, sobretudo no que se refere às relações pessoais e interpessoais, principalmente na intimidade dos lares e das famílias.

Respeito inalienável – Robson, meu amigo: que sua alma de ator, diretor, professor de teatro e pessoa singular que atuou e atua em tantas obras teatrais e cinematográficas  que traduz um universo humano que sempre está infinitamente por se conhecer e descobrir, se revigore e se renove a cada dia, nesse terreno suado e transcendente que é o “atuar”, nos fazendo rever, viver e reaver conceitos, preconceitos e medos, e quiçá, inventar uma vida verdadeiramente humana, que ama, chora e luta, mas com amor e respeito inalienável ao outro humano que divide conosco essa breve e desafiadora existência.

Parabéns aos diretores, atores e técnicos, e, especialmente, ao Robson, que é daqui, e acredita na arte como expressão e instrumento clínico eu diria, para uma sociedade melhor.

Quero ver o filme novamente!

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