Quando a história cobra: a responsabilização (ainda que tardia) dos generais
Por Diego Andrade, professor

A recente prisão de generais envolvidos em articulações golpistas reacende um debate histórico que o Brasil evitou por décadas: o enfrentamento da responsabilidade das Forças Armadas nos ataques à democracia. Pela primeira vez desde o fim da ditadura civil-militar, altos oficiais são responsabilizados judicialmente por atentarem contra a ordem constitucional.
Esse fato, inédito, confronta diretamente o legado de impunidade construído desde 1985, um silêncio institucional que permitiu que muitos militares acreditassem estar acima da lei.
Tribunais
Rupturas – Durante a ditadura instaurada em 1964, generais comandaram um regime marcado por torturas, assassinatos, desaparecimentos forçados e repressão massiva. No entanto, ao contrário de outros países da América Latina, como Argentina, Chile e Uruguai, o Brasil concedeu anistia ampla, geral e irrestrita, garantindo que os responsáveis por violações de direitos humanos jamais enfrentassem tribunais.
Essa escolha política não apenas impediu a reparação plena das vítimas, como também consolidou, dentro das Forças Armadas, a ideia de que golpes, rupturas institucionais e violência de Estado poderiam ocorrer sem consequências.
Árbitra
Crimes passados – A prisão contemporânea de generais não é apenas um episódio judicial, mas um corte profundo no mito da autoridade militar inquestionável. Ela simboliza o que nunca aconteceu no pós-ditadura, um processo real de responsabilização.
O País conviveu por décadas com uma corporação que se viu como árbitra da política nacional, justamente porque jamais foi confrontada com seus crimes passados. A ausência de punição produziu uma cultura interna de tutela da democracia, como se os uniformes estivessem acima da soberania popular.
Paralelo
Inevitável – O paralelo entre ontem e hoje é inevitável. Se na ditadura generais prendiam, torturavam e matavam sem serem punidos, hoje são eles os investigados e encarcerados por práticas que violam o Estado Democrático de Direito.
O que muda não é a disposição deles para subverter as instituições, mas a reação da sociedade e das instituições republicanas. O que antes era protegido pela omissão do Estado agora encontra investigação, denúncia e responsabilização.
Amadurecimento institucional
Ameaçada – Essa mudança revela um amadurecimento institucional tardio, mas necessário. A democracia brasileira, tão frequentemente ameaçada, começa a dar sinais de que não tolerará mais aventuras autoritárias. A prisão dos generais não repara o passado, não devolve vidas, não corrige décadas de impunidade, mas rompe com uma lógica histórica que alimentou novos golpes e novas tentativas de ruptura.
Figuras de alta patente
Memória – Ao responsabilizar figuras de alta patente, o Brasil enfrenta um fantasma que assombra sua história desde 1964. Não se trata de revanchismo, mas de reafirmar que a democracia não admite intocáveis. O País, enfim, começa a aprender que sem justiça não há memória, e sem memória não há futuro democrático possível.
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