Mauro Stiegler: MINHA “TEIA” SE FOI

DIMENSÕES DO CONTEMPORÂNEO SANTA CATARINA

A VIDA É TAMBÉM IMPROVISO, SURPRESAS, ÀS VEZES NEM TÃO BOAS ASSIM

Por Mauro Cesar Telesphoros Stiegler, psicólogo clínico

É sexta-feira 13, chego em casa às 17:40. O tom lá fora é cinza escuro, nuvens, neblina fina, quase chuva, e faz frio.

A natureza me impõe um certo outono sazonal, com aspectos sombrios, haja vista as cheias e sofrimentos dos meus conterrâneos e a estupidez humana do outro lado do mundo.

Movido à música, coloco uma das minhas companheiras de alta-luz para tocar: “Corsário”, de João Bosco e Adir Blanc, um primor de música.

Brinco um pouco de mágico, espalhando o aroma de café pela casa, quando já de xícara quente nas mãos me dirijo para meu templo religioso caseiro: minha biblioteca!

Pensativo com as enchentes e guerras, sou magnetizado antes mesmo de jogar-me no sofá pelas capas e bordas de alguns livros. Na fileira dos clássicos figuram nos meus olhos os livros de Tolstoi, Dostoiévski, Cervantes, Victor Hugo, Shakespeare, Homero e Sartre.

Abocanhada pelo efêmero existencial

Resistência e resiliência – O pensamento que me brota agora é resistência e resiliência, mas não essa de internet que se vê em todos os cantos. Falo da resiliência de Dostoiévski, que passou anos preso na Sibéria, em solidão; de Victor Hugo, que na volta de uma das viagens fica sabendo da morte da filha, e também sobre seu exílio; de Shakespeare e a incompreensão que sofreu pela vida toda…

Sinto um misto de vergonha e entusiasmo; vergonha pelo tão pouco que fiz e faço até aqui; entusiasmo pela consciência de que posso escolher fazer, realizar e resistir como eles ensinam através dos seus exemplos heroicos.

Há algo que pesa: minha gata Teia que já foi tema de uma crônica aqui (“Minha gata ‘Teia’ e a efemeridade”) foi abocanhada ontem pelo efêmero existencial. É isso mesmo, véspera de sexta-feira 13 e ironicamente um humano atravessou o caminho dela, atropelando-a e matando-a na hora.

Olho mais uma vez a paisagem

Livros, jazz e vinho – Olho mais uma vez a paisagem: está mais escuro; os postes acenderam suas lâmpadas; mudo a música para um jazz clássico, e pensando no improviso da guitarra chego à conclusão que a vida é também improviso, surpresas, às vezes nem tão boas assim.

Mesmo forrado de livros e um bom vinho, e de certa forma sentindo-me bem com o clima (sempre gostei mais do inverno), a noite adentro será algo mais vazia; não tem mais a Teia; não vai ser possível abraçar e encostar o rosto dela no meu, quase esmagando-a suavemente.

Entre livros, jazz e vinho, ela irá surgir nas minhas lembranças; é possível que eu esqueça do ocorrido e sinta ela às vezes nos meus pés ainda.  No entanto, será ilusão, e a única realidade será a falta dela, que não se fotografa, que só se sente aqui dentro.

O que importa – Agora, sim, já despejo meu vinho na taça com mais sentido: a falta da minha Teia me ensinou agora mesmo que o que importa são os afetos, os amores, os sorrisos e os abraços.

O jazz continua tocando, a Teia continua faltando e eu continuo teimando sobre achar que ainda assim a vida vale a pena.

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